Você não pode passar dessa vida sem ler. 001#

Você não pode passar dessa vida sem ler. 001#

C.S. Lewis afirmou certa vez que o valor da literatura está em nos permitir “ter experiências outras que não as nossas”. Ler é um hábito que desperta em nós uma variedade de sentimentos. Ficamos deslumbrados ao nos deparar com mundos fantásticos, viajamos pelo tempo e espaço, conhecemos planetas, terras distantes (verdadeiras ou não), somos levados a realidades onde o interruptor da nossa lâmpada é diferente daquele que lembrávamos. Sofremos com os dilemas dos personagens, compartilhamos suas alegrias e torcemos para que cada decisão em sua jornada leve a um bom final. Vivemos mil vidas e, no entanto, continuamos sendo nós mesmos.

Ler desperta em nós curiosidade. Não apenas pelo objeto da nossa leitura, mas também pelo próprio leitor. Quem nunca se pegou tentando olhar o título do livro que alguém está lendo no ônibus? Ou tentando adivinhar o que se passa na cabeça da pessoa? O que ela acha do livro? Será que foi um daqueles que custou muito para que ela finalmente tivesse em mãos, ou será um daqueles que ela emprestou há 5 anos e resolveu ler só agora? Será que esse livro teve algum impacto em sua vida, o fez ser alguém melhor? Ou será mais um que será trocado em sebo qualquer?

Pensando exatamente nessa curiosidade intrínseca a todo leitor, nós do Contemporama selecionamos para você, neste dia do livro, aquelas leituras que foram importantes para nós. Seja pela viagem proporcionada, pela reflexão que causaram, pelo descobrimento de uma nova realidade ou por… Bem, você vai descobrir enquanto for lendo este texto que vai saciar um pouquinho sua curiosidade sobre esses livros que ajudaram a moldar a forma como vemos o mundo.

Realidades Adaptadas – Philip K. Dick

Mesmo sem conhecer Philip K Dick, você já teve contato com o autor, direta ou indiretamente. PKD é, provavelmente, o autor de ficção científica mais prolífico até agora, e nenhum outro foi tão roteirizado quanto ele, nem mesmo Isaac Asimov. Minha indicação transitava entre livros de Asimov ou PKD. Optei pelo último, pois a trilogia da Fundação já possui um forte apelo próprio que nos convence por si só.

O livro Realidades Adaptadas não possui este nome em vão. São sete contos – realidades – que já foram adaptados para o cinema. Dentre eles: O Vingador do Futuro (Total Recall, com Arnold Schwarzenegger) – o conto em questão demonstra o toque de humor de PKD em nomear suas obras: Lembramos para você a preço de atacado -, Minority Report (Tom Cruise) e O Pagamento (Ben Affleck). Vale ressaltar que todos os contos são bons (uns mais, outros menos) mas nem todas as adaptações são boas. A adaptação do conto “Segunda Variedade”, por exemplo, é sofrível (Screamers – Assassinos Cibernéticos).

Os contos são frenéticos e acelerados, a primeira sensação que me veio ao terminá-los foi da versatilidade de PKD. São sete “e se isso fosse possível?” muito bem destrinchados. Em que pese o tema geral bem claro – ficção científica -, as ideias desenvolvidas são completamente distintas umas das outras, o que não cansa o leitor e faz com que, em cada final, fiquemos gradativamente perplexos. São sete concepções inovadoras dentro do contexto de PKD (1928-1977) que nos deixam com aquele incômodo atravessado sem saber o porquê.

Honestamente, não é o melhor livro de PKD, mas está longe de ser o pior – o autor também escreveu “Androides Sonham com Ovelhas Elétricas?”, que foi adaptado e se tornou o clássico noir “Blade Runner”. No entanto, como são pequenos contos, conseguimos ter um vislumbre claro do estilo do autor em textos relativamente curtos, o que nos dá um panorama significativo de sua escrita e perspectiva. Como introdução, portanto, creio que seja ótimo, pois é um convite à ficção densa e sombria de PKD. Meu desejo é que mais de nós conheçamos PKD, minha maior dificuldade é ter as ideias extraídas de seus livros só para mim, pois, acredite, você desejará compartilhar as possibilidades assim que conhecê-las.

As Crônicas de Nárnia – C. S. Lewis

Os sete livros da saga das Crônicas de Nárnia contam as idas e vindas de pessoas entre o nosso mundo e um mundo encantado onde animais falam e plantas são aliadas ou espiãs. Muitas vezes, os livros aparecem em conjunto ou com algum título em particular na lista dos mais vendidos da história. E certamente, a saga possui uma popularidade maior hoje do que na época em que seu autor, C. S. Lewis, estava vivo. Muito disso devido aos filmes adaptados, lançados entre 2005 e 2010.

A adaptação de O leão, a Feiticeira e o Guarda-roupa, realizada pela Disney em 2005, foi minha porta de entrada não só para Nárnia, mas para a leitura em geral. Aquele feixe de luz encontrado no fundo de um guarda-roupa, de um quarto vazio, de uma casa isolada, foi o suficiente para me fazer entrar em um mundo inteiro de encantos.

Naquele momento da minha infância, Nárnia representou para mim não só um exercício de imaginação totalmente diferente do que eu havia experimentado. Mas também uma porta para novas histórias. Eu queria mais daquele clima aconchegante, e havia mais, eu só precisava estar disposto a ler.

E havia um plus: Nárnia era essencialmente cristã. Isso não é uma necessidade da história, já que ela se sustenta sozinha. Mas ela é graciosamente enriquecida por uma compreensão da fé cristã. E isso me cativou completamente.

Quando Lewis começou a escrever não tinha objetivo algum de falar sobre cristianismo. Como ele descreve, tudo “começou com a imagem de um Fauno carregando um guarda-chuva e de um pacote em uma floresta nevada (…) Além disso, não sei de onde nem porque veio o Leão ou por que ele veio. Mas, já que estava lá, Ele cooperou com a história toda, e logo puxou as outras seis histórias de Nárnia depois de Si.”

Mas o mundo de Nárnia é muito maior do que isso. Este talvez seja o seu ponto de entrada, assim como o Ermo do Lampião foi o ponto de entrada para a Lucy Pevensie quando ela atravessou o guarda-roupa. Mas se você se permitir andar e viajar um pouco mais, vai avistar sereias nas praias de Cair Paravel, escutar uma doce melodia ao redor da lareira, e quem sabe, se você tiver a mesma coragem que um valente rato, poderá se juntar a ele além das ondas que levam ao País de Aslam.

Quero Comer seu Prâncreas – Yoru Sumino

Devo ter assistido ao filme baseado neste livro pela primeira vez em 2018. A causa foi a curiosidade pelo título e um clipe no YouTube. Desde então, tornou-se uma das minhas histórias favoritas. Assisti essa história algumas vezes, tanto em live action, quanto em anime. No ano passado, acabei comprando o ebook e só precisava de uma desculpa para lê-lo, que acabou vindo na forma desses resumos para o dia do livro.

Essa história foi originalmente escrita como uma light novel, que é simplesmente uma forma de romance japonês que tende a ser leve e rápido, com tamanho entre 50 e 70 mil palavras. Foi a obra inicial de Yoru Sumino, mas sua escrita é tão cheia de detalhes, figuras e sentimentos que nem parece ser a primeira. Esse é um livro que não tenta esconder a sua premissa. No primeiro capítulo, somos apresentados a um estudante cuja amiga havia morrido. No decorrer da história, explora-se a construção dessa amizade. É uma light novel onde pessoas estão lidando com a morte, e a autora não nos deixa esquecer disso. Não me lembro de ter passado 5 páginas sem que esse tema aparecesse de uma forma ou de outra. De fato, parte do livro é um memento mori, afinal, não sabemos quanto tempo temos, e ninguém sabe quem partirá primeiro, se o velho ou o jovem, a fatalidade cai sobre todos. Apesar do tema pesado, geralmente ele aparece de forma bem humorada, em forma de piadas.

Legenda: Brincadeira em um app de mensagem que lembra o espírito dos personagens.

Porém, além do memento mori, outra parte é um carpe diem, porque mesmo os momentos mais simples do cotidiano podem ser especiais, e até a normalidade pode ser um presente. Para mim, entretanto, a melhor parte são os diálogos, tanto aqueles sobre qualquer coisa, conversas bobas entre amigos que todos temos e cujo conteúdo ninguém lembrará, porque ecoam facilmente em nosso cotidiano; quanto os profundos, porque sua reflexão, seja para aceitá-los, seja para rejeitá-los, acaba sendo útil. No fim, mais do que sobre a morte, esse é um livro sobre vida e a amizade.O convido a lê-lo, caso queira, pode encontrá-lo aqui (livro) e aqui (mangá).

Flores para Algernon – Daniel Keyes

Flores para Agernon é um romance de ficção científica escrito por Daniel Keyes, publicado pela primeira vez em 1959. A história é contada de maneira epistolar, na forma de um diário mantido por Charlie Gordon, um homem de 32 anos com deficiência intelectual que se submete a um experimento científico que visa aumentar sua inteligência. O experimento já havia sido realizado com sucesso em um ratinho chamado Algernon, que se tornou extremamente inteligente após receber uma cirurgia experimental.

A narrativa começa com as anotações de Charlie, ainda cheias de erros de ortografia, sobre seu trabalho como varredor de uma padaria, onde ele é constantemente ridicularizado por seus colegas por sua falta de inteligência e habilidades sociais. Depois de ser selecionado para o experimento, Charlie começa a tomar doses de uma droga experimental que aumenta sua inteligência.

À medida que sua inteligência aumenta, Charlie começa a entender melhor o mundo ao seu redor e a se comunicar de maneira mais clara. Sua escrita assume, progressivamente, um tom mais formal, com análises mais complexas e questionamentos mais profundos. Ele se torna cada vez mais consciente de sua própria vida e começa a se lembrar de traumas que havia reprimido (como a rejeição de sua mãe quando ele era criança), preconceitos que passaram desapercebidos, sua incapacidade social (a despeito de sua inteligência cada vez maior), já que ele não consegue mais se relacionar com as pessoas de sua vida anterior. Ele começa a questionar sua própria identidade e a lutar com a ideia de que, talvez, sua capacidade intelectual impossibilite que ele volte à pureza e simplicidade de sua vida anterior.

Flores para Algernon é um romance poderoso e emocionante que quebra nosso coração em diversos momentos, nos faz simpatizar com seu protagonista, que explora questões profundas sobre a natureza da inteligência, identidade e humanidade. O livro mostra uma visão única sobre como a sociedade trata aqueles que são diferentes e oferece uma reflexão importante sobre o que significa ser, de fato, humano. A história é bem escrita e a progressão da inteligência de Charlie é elaborada de forma muito criativa, tornando o livro uma leitura envolvente e comovente, principalmente quando o título do livro se faz claro. É uma obra que recomendo fortemente para aqueles que se interessam por ficção científica, bem como para aqueles que buscam reflexões profundas sobre a natureza humana.

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