O Hobbit e a importância do primeiro passo

O Hobbit e a importância do primeiro passo

Uma famosa frase é atribuída a Albert Einstein que diz: “A percepção do desconhecido é a mais fascinante das experiências. O homem que não tem os olhos abertos para o misterioso passará pela vida sem ver nada”. Ter medo do desconhecido é uma espécie de proteção natural e instintiva do ser humano. Mas quando ele se torna paralisante, assume um formato nocivo, que não raro, nos impede de vivenciar experiências marcantes e transformadoras. Para vencer o medo do desconhecido é necessária uma atitude que demande ação, autoconhecimento e disposição para sair da zona de conforto, e é exatamente isso que o nosso herói pouco usual tem para nos ensinar.

O livro The Hobbit, de JRR Tolkien, é conhecidamente uma história de como um hobbit chamado Bilbo Bolseiro (Bilbo Baggins) e um bando de anões desajustados devem superar diversos obstáculos perigosos, como goblins, dragões e terrenos traiçoeiros para reconquistar um tesouro e um reino perdidos. Por mais difícil que seja superar esses obstáculos, o maior desafio de Bilbo (ou pelo menos o mais importante) será ele mesmo.

Quando somos apresentados a Bilbo e aos hobbits em geral, podemos pensar que um hobbit, particularmente um hobbit de meia-idade, rico e bastante respeitável como Bilbo, não é feito para qualquer tipo de aventura. Você não poderia culpar alguém por pensar isso. Bilbo tinha “pouca ou nenhuma magia” e “não gostava de ser chamado de audacioso”. Ele vivia confortavelmente, comia e bebia muito e desfrutava do seu aconchegante lar. Ele até disse: “Somos pessoas simples e quietas e não gostamos de aventuras, coisas desconfortáveis, perturbadoras, desagradáveis ou que fazem-nos atrasar para o jantar”. Os anões que serão seus companheiros de viagem também duvidam de Bilbo quando o encontram pela primeira vez e durante grande parte da jornada. Mais importante, Bilbo duvida de si mesmo. A única pessoa que parece acreditar em Bilbo é o mago Gandalf.

Gandalf é um disruptor. O Condado, onde Bilbo mora, pode ser um lugar tranquilo e confortável, mas onde quer que Gandalf esteja, as aventuras parecem segui-lo. O narrador diz sobre Gandalf que “contos e aventuras brotavam por toda parte onde quer que ele fosse”. Bilbo nunca teria saído em busca de uma aventura, mas uma aventura bateria à sua porta quatorze vezes. Sem dúvidas, ele teria ficado perfeitamente satisfeito com sua vida cômoda fazendo suas seis refeições diárias, mas Gandalf tinha outros planos para Bilbo.

Bem longe, a leste, longe da tranquilidade do Condado, ficava a Montanha Solitária. Dentro de suas paredes havia um grande tesouro, mas também um dragão conhecido como Smaug que o guardava. A Montanha Solitária e seu tesouro já foram a sede de um grande reino dos anões antes de Smaug assumir o controle. Thorin, o rei exilado e doze outros anões estavam determinados a recuperá-lo. Eles compartilhariam o tesouro com qualquer um que os ajudassem e por razões desconhecidas tanto para os anões quanto para Bilbo, Gandalf pensou que Bilbo seria a pessoa perfeita para essa missão.

A história começa quando Gandalf e, eventualmente, os treze anões, aparecem inesperadamente na casa de Bilbo para uma festa que ele não sabia que era o anfitrião. Bilbo fica bastante perturbado com esta visita tão repentina e desconcertado com o comportamento estridente dos anões. Em meio à canções e o esvaziamento da sua despensa e adega, uma proposta ousada lhe é apresentada: “queremos você numa expedição em busca do destronamento de um dragão”. A ideia soa tão absurda que é impossível julgar Bilbo por rejeitá-la. Imagina só, um hobbit abandonando o seu lar quentinho e aconchegante em busca de tormento e perigo. Isso vai contra tudo o que ele sabe sobre ser um Hobbit e um Bolseiro. No entanto, na manhã seguinte, quando ele acorda sozinho depois que os anões partiram em sua aventura sem ele, Bilbo pela primeira vez em sua vida faz algo imprevisível. Ele sai correndo atrás dos anões decidido a encarar a empreitada proposta. Ora, o que poderia ter desencadeado isso? O que poderia ter acontecido para enviar um Bolseiro metódico e acomodado em uma aventura tão inesperada?

Bilbo era membro da família Bolseiro conhecida por ser respeitável e nunca fazer nada inesperado. Todavia, Gandalf faz questão de lembrá-lo sobre o lado materno da família, os Tûks, que em contraste com a respeitabilidade e previsibilidade dos Bolseiros, eram conhecidos por se envolverem em todos os tipos de peripécias. Em sua família você consegue identificar quem são os Bolseiros e quem são os Tûks? Enquanto os anões contavam sua história da perda de seu tesouro e como planejavam recuperá-lo, somos informados de que “algo Tûk-ish despertou dentro de Bilbo”. Pela primeira vez em sua vida, ele ficou intrigado com a ideia de deixar a segurança do mundo que vivia e partir para os perigos do desconhecido em busca de uma aventura. No entanto, esse lado Tûk desaparece quase tão rapidamente quanto surgiu quando Bilbo ouviu sobre o terrível dragão. Contudo, o despertar da força Tûk, mesmo que por apenas um momento, foi um ponto de virada na vida de Bilbo. Daqui em diante ele teria dois impulsos lutando pelo controle de suas decisões. O lado cômodo, bem alimentado e seguro dos Bolseiros, contra o lado Tûk que lhe aguçava a curiosidade e o impulsionava a olhar por cima dos muros do Condado. Ele deixaria o conforto e o seguro vencerem ou arriscaria e enfrentaria suas inquietações?

Decerto, Bilbo teria que superar todos os tipos de dificuldades em seu caminho para encontrar o tesouro; deserto selvagem, montanhas altas, cavernas negras, florestas misteriosas e mais uma série de situações e criaturas deploráveis. No entanto, acredito que talvez o maior obstáculo tenha sido superado naquela manhã depois da partida dos anões. O maior obstáculo foi dar os primeiros passos pela porta da frente. Bilbo não parou de duvidar de si mesmo quando saiu correndo por aquela porta, tampouco os anões quando o avistaram. Seriam necessários muito mais desafios para Bilbo acreditar em si mesmo e para que os anões o respeitassem, mas nada disso poderia ter acontecido se ele não tivesse dado os primeiros passos. Bilbo foi capaz de ganhar muitas riquezas, incluindo um anel mágico que teria sua própria história para contar. Todavia, sua maior conquista foi romper com as fronteiras do desconhecido e se lançar ao risco.  

Bilbo demonstrou que, embora uma jornada possa ter muitas reviravoltas, o passo mais importante é o primeiro. Esse é um lembrete para mim de que quando estou enfrentando meus próprios enigmas, seja tirar aquele projeto do papel, lutar contra a minha ansiedade social e conhecer novas pessoas ou decidir que um novo emprego é o melhor para mim; que o primeiro passo é geralmente o mais difícil, porém o mais importante. Às vezes, você só precisa escrever a primeira frase, mesmo que não saiba o que mais escreverá. Ou apenas dizer “olá”, mesmo que ache que alguém não vai gostar de você. Ou deixar aquele emprego que você não se encaixa mais, mesmo quando não tem certeza do que Deus tem reservado para você. Penso que Bilbo também sabia da importância desse primeiro passo.

Uma das minhas citações favoritas encontra-se em “O Senhor dos Anéis” quando Bilbo está dando a Frodo algumas palavras de sabedoria. Ele diz: “É um negócio perigoso, Frodo, sair pela sua porta. Você pisa na estrada e, se não controlar os pés, não há como saber para onde pode ser levado”. Tento me lembrar disso quando temo o desconhecido. Basta dar o primeiro passo e quem sabe o que eu poderia aprender ou ganhar não me apegando aos mesmos velhos confortos familiares?

Sobre o autor:

3 comentários em “O Hobbit e a importância do primeiro passo”

  1. Que leitura fantástica! Pontuar que mesmo duvidando de si, ele continuou na jornada, é nos fazer lembrar que coragem é isso aí. E que temos que fazer isso muitas vezes em nossa caminhada. Parabéns pelo texto 😉

  2. “o primeiro passo é geralmente o mais difícil, porém o mais importante.” Como é bom perceber algo que estava adormecido no meu coração, que palavras necessárias 🦋🙏🏽, obrigada!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *