A Galáxia que não cabe na tela

HÁ MUITO TEMPO, NUMA GALÁXIA MUITO, MUITO DISTANTE.

Na verdade, há mais tempo do que você está pensando, e em outras galáxias também. Eu não estou me referindo aqui à história de um jovem ninguém, criado em um vilarejo pobre que, de repente, se vê envolvido em uma guerra de proporções gigantescas na qual ele é a única esperança, passando, nesse ínterim, por um crescimento pessoal e descobrindo que ele é parte de uma seleta classe com poderes especiais que ele precisa aprender a controlar. Pensando bem, isso não especifica muito.

O que eu quero dizer é que eu não estou falando da icônica trilogia cinematográfica iniciada em 1977, pelas mãos de George Lucas que, após não conseguir os direitos para fazer uma adaptação de Flash Gordon, decidiu criar sua própria ópera espacial, com orçamento limitado, reaproveitando itens de lojas de sucata e utilizando (de forma muito convincente) telas pintadas à mão como fundos de cenário. A amada trilogia original é o início popular do universo Star Wars na nossa galáxia, mas não é o início daquele universo.

Na verdade, Uma Nova Esperança (na época, simplesmente “Star Wars”) sequer é a obra responsável pela primeira incursão multiversal de Star Wars na Terra-1218. Essa honra pertence à novelização do primeiro filme, chamada “Das Aventuras de Luke Skywalker”, escrita por Alan Dean Foster. Fato é que, a partir de 1977, com o inesperado sucesso do filme, uma miríade de obras situadas no mesmo universo foram lançadas, como histórias em quadrinhos, animações, jogos e diversas sagas de livros, uma delas com 19 volumes.

George Lucas teve o cuidado de manter continuidade e integridade entre todas essas obras, de modo que, mesmo escritas por diferentes autores, elas formam um todo — relativamente — coerente que conta uma história que se estende desde 25.000 BBY a 40 ABY, cobrindo desde o surgimento dos Jedi e Sith, passando pela nova academia de Jedi fundada por Luke Skywalker após os eventos de O Retorno dos Jedi, até a invasão do império dos Yuuzhan Vong, uma raça de outra galáxia (sim, existem outras). Desde o “estalo” de 2014, quando a Disney, após ter comprado a Lucasfilms, declarou não canônicos todos os materiais do chamado “Universo Expandido”, essas histórias passaram a ser denominadas “Lendas de Star Wars” (Star Wars Legends).

Canônicas ou não, há, dentre essas obras, histórias que foram aclamadas pelos fãs pela sua qualidade literária, riqueza narrativa e, simplesmente, por sua capacidade de captar com maestria o espírito de Star Wars. Nesse texto de hoje, eu queria trazer algumas obras de cada tipo de mídia para recomendar aos padawans que queiram embarcar nessa jornada galáctica em seu caminho para se tornarem mestres Jedi (ou, pelo menos, conseguirem um assento no Conselho).

Eu vou começar com algo mais conhecido, que não é do Universo Expandido, mas que talvez alguns leitores da página ainda não tenham assistido: as animações Clone Wars e Rebels. Nelas, conhecemos Ahsoka Tano, Cad Bane, Bo-Katan Kryze, e muitos outros personagens que aparecem posteriormente em Mandalorian e Book of Boba Fett. Conhecer a história de Ahsoka Tano, a padawan de Anakin, é essencial para compreender a queda deste para o lado negro, um tema que é tratado em muito mais detalhes nas animações do que nas Prequels, respondendo à crítica de muitos fãs de que a queda de Anakin nos filmes foi apressada. Por fim, temos a atual animação Bad Batch, que conta a história de um grupo de clones que, por causa de mutações, resistiram à Ordem 66. Todas essas são canônicas. 

Entrando no Universo Expandido propriamente dito, e falando dos livros, talvez a obra mais aclamada do Universo Expandido seja a trilogia Thrawn. Luke, Leia e Han Solo tentam reconstruir a república a partir dos escombros do Império, enfrentando líderes imperiais remanescentes que se recusam a reconhecer a queda do antigo sistema. Dentre eles está o General Thrawn, um gênio tático que desenvolve estratégias de guerra a partir da análise da produção artística da raça inimiga. O autor capta perfeitamente a essência de cada um dos personagens já conhecidos, seguindo o seu desenvolvimento de forma coerente, sem resets de seus arcos como fizeram alguns filmes que-não-devem-ser-nomeados. Sem dar spoilers, o livro também lida bastante com a temática de clonagem, o que prepara o caminho para…

A trilogia de história em quadrinhos chamada Império Negro! Embora eu, pessoalmente, não seja fã da história dessas comics — que possuem uma belíssima colorização estilo aquarela —, a sua importância está em que é nelas que a Disney buscou a inspiração para o infame “Somehow, Palpatine has returned”. A história gira em torno de Luke enfrentando um clone de Palpatine que inclusive conjura uma Tempestade da Força como a mostrada no filme “A Ascensão de Skywalker” (pronto, nomeei).

Seguindo adiante, temos a trilogia Academia Jedi (Jedi Academy), na qual vemos Luke tentando reconstruir a ordem Jedi e iniciar uma nova classe de Padawans, enquanto lida com seu medo de que um deles se corrompa e venha a ser o novo arauto do Lado Negro da Força. Enquanto isso, Leia tenta conciliar a maternidade com as responsabilidades como Senadora, esforçando-se na empreitada de estabelecer uma nova república que não repita os erros da anterior.

Outras menções honrosas de livros incluem: Darth Plagueis, em que conhecemos a relação de Darth Sidious com seu antigo mestre e os experimentos que ambos fizeram tentando usar a Força para gerar vida; Jedi Apprentice, onde vemos a história de Qui-Gon Jinn e seu então padawan Obi-Wan Kenobi; e, claro, as novelizações dos filmes, principalmente se você achou as Prequels muito rasas e deseja ver diálogos como esse, entre Obi-Wan e Padmé:

“Eu não sou cego, Padme. Embora eu tenha tentado ser, por Anakin. E por você.”

“O que você quer dizer?”

“Nenhum de vocês é muito bom em esconder sentimentos.”

“Obi-Wan—“

“Anakin te ama desde o dia em que vocês se conheceram, naquela horrível loja de sucata em Tatooine. Ele nunca tentou escondê-lo, embora não falemos sobre isso. Nós… fingimos que não sei. E eu fiquei feliz, porque isso o deixou feliz. Você o fez feliz, quando nada mais poderia realmente. E você, Padme, habilidosa como é no plenário do Senado, não pode esconder a luz que vem aos seus olhos quando alguém menciona o nome dele.”

Por fim, se você tem um fôlego de leitura maior, não deixe de mergulhar na série de dezenove, repito, dezenove volumes da Nova Ordem Jedi, onde você descobrirá a raça intergalática chamada Yuuzhan Vong, que possui a propriedade de não poder ser detectada pela Força e cuja invasão iminente foi um dos motivos para Sidious buscar a construção de um império forte, centralizado e belicamente preparado.

Retornando às comics, o título de Mestre vai para: Vader, Dark Lord of the Sith. Essa série de 25 volumes se inicia imediatamente após uma das cenas finais de Retorno dos Sith, quando Anakin, sendo erguido na maca onde foi transformado em Darth Vader, é informado por Sidious de que Padmé Amidala morreu. Nela, temos a resposta para uma pergunta que inevitavelmente assombra o final da trilogia Prequel: por que Anakin, depois de perceber que Sidious o enganou e Padmé está morta, continua servindo o Lado Negro da Força? Essa série responde a essa questão com maestria, detalhando minuciosamente a transição de Anakin Skywalker para Darth Vader, inclusive com uma tentativa deste de ressuscitar Padmé. Encontramos também a origem do seu sabre sith e uma cena que é essencial para aprofundar o encontro de Vader e Obi-Wan na recente série Kenobi, além de uma arte simplesmente maravilhosa.

Para os gamers seguidores da página, também não faltam opções, especialmente situadas no período da Velha República, muito antes dos eventos dos filmes. Os RPGs de turno Knights of the Old Republic 1 e 2 (o segundo é melhor) introduzem um personagem que se tornou emblemático no universo: Darth Revan. Um Jedi que se corrompe para o lado negro da Força, perde a memória, e volta a ser treinado como Jedi. Falando assim, não parece muito excitante, mas, acreditem, é um dos personagens mais complexos e bem desenvolvidos do universo Star Wars.

Toda essa temática da Velha República vai ser ainda mais desenvolvida no MMORPG Star Wars: The Old Republic. Se você não gosta do estilo MMO, não se preocupe: SWTOR é conhecido por ser perfeitamente jogável como singleplayer, com mais de 200 horas de conteúdo narrativo, incluindo campanha e expansões, nas quais suas escolhas impactam significativamente o caráter de seu personagem e a história como um todo. Impossível de omitir a presença de um voice-acting premiado de cada um dos personagens da campanha principal.

Por fim, saindo do período da Velha República, temos o inovador Jedi: Fallen Order, cuja sequência, Jedi: Survivor foi lançada recentemente. Falando do primeiro, o único que joguei até agora, você vai jogar como Cal Kestis, um jedi sobrevivente da Ordem 66 que suprimiu sua conexão com a Força para não ser encontrado e morto. Após usar a Força por acidente para salvar um amigo, sua missão é escapar dos inquisidores imperiais e sobreviver enquanto procura um holocron que contém uma lista de indivíduos sensitivos à Força na galáxia, o que pode ser a base para o início de uma nova ordem de aprendizes Jedi. Menções honrosas a um sistema de combate soulslike engajante e uma cena absolutamente impactante (e jogável) de sua fuga da execução da Ordem 66.

Concluindo essa viagem de muitos parsecs, uma mea culpa deve ser feita. Eu não quero aqui repetir o erro de muitos fãs que idealizam esse universo como o Éden primordial destruído pela Disney com as Sequels. Há ótimas produções recentes da Disney, como Mandalorian e Andor. Além disso, o UE  é um aglomerado de obras suficiente para preencher uma estante inteira, escrito por dezenas de autores diferentes, com visões e habilidades literárias distintas. Há escolhas narrativas boas, outras nem tanto, e algumas simplesmente péssimas. Ainda assim, é um universo que aprofunda imensamente todos os personagens que já conhecemos e amamos, amarra algumas pontas soltas deixadas pelos filmes e confere maior riqueza e coerência a vários elementos da saga. O que eu tento deixar aqui são coordenadas seguras para aqueles que desejam dar o primeiro salto de hiper-espaço em direção a essa outra galáxia muito distante.

Se você tiver curiosidade de conhecer outras obras do Universo Expandido, evitando os buracos-negros pelo caminho, não deixe de me mandar uma mensagem e eu terei prazer de enviar uma lista selecionada que com certeza o ajudará na sua navegação.

Um feliz 4 de maio atrasado, e que a Força esteja com vocês!

Sobre o autor:

Jurista, pesquisador e escritor em Direito, Filosofia e Teologia. Fã de Star Wars, membro do conselho, mas sem o título de mestre (eu sei, é ultrajante e injusto). Jogador e mestre de RPG de mesa. Gamer nas inexistentes horas vagas.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *