Cobra Kai: entre lições e derrotas

Cobra Kai, mais uma temporada?

Cobra Kai, série que nasceu no YouTube Premium e que na terceira temporada migrou para a Netflix, inicia como uma continuação de Karatê Kid a partir do ponto de vista inusitado do antagonista do primeiro filme, o Johnny Lawrence. Esta ideia, que já havia se tornado piada em How I met your mother, ganha vida aqui revitalizando completamente a franquia, e redimindo o personagem pouco a pouco, sem perder a sua essência. 

A série paulatinamente vai escalonando e trazendo vários personagens de volta, e unindo os ingredientes certos para fazer o milk shake de karatê com mais sabor de anos 80 que você vai ver na tela de sua TV. E isto sem perder contato com as discussões culturais da atualidade, como a questão da masculinidade tóxica. 

Existem dois ingredientes na série que sempre me chamaram a atenção, e deram aquele sabor a mais na mistura, mostrando que havia mais coisas acontecendo além de adultos e adolescentes brigando para ver quem estava certo em suas lutas físicas e pessoais.

O primeiro ponto é que, assim como em toda boa história, em Cobra Kai as ideias realmente têm consequências. Isso não deveria ser surpresa, dentro das boas ficções uma das pedras fundamentais é a coesão interna daquele mundo, o que nos dá o prazer de ver como cada peça se encaixa dentro de um quebra cabeça. Mas costurar isso num roteiro nem sempre é fácil. Neste sentido, Cobra Kai não tenta ser uma série cerebral que vai te deixar vidrado para acompanhar mistérios de explodir cabeças em sequência, entretanto, ela sabe colocar ideais opostos e interessantes organicamente dentro da história através dos posicionamentos e filosofias de cada Dojo e personagem.

O estilo de luta do Sr. Miyagi, que se baseia em usar a força em prol da defesa, é personificado tanto no estilo de luta quanto nas atitudes dos personagens que defendem essa filosofia. Nem sempre isso vai se concretizar, já que os personagens têm características próprias e podem mudar de estilo e posicionamento, ou podem passar por situações de conflito, o que podemos ver quando o lado esquentadinho do Daniel LaRusso faz ele se meter em bem mais enrascadas do que deveria. Mas tudo isso está bem encaixado na trama e esses dilemas fazem parte do psicológico dos personagens como forma de representar suas lutas internas, o que deixa a história menos maçante e nos coloca no meio da ação como se aqueles dilemas também fossem nossos. 

Da mesma forma, a ideologia do Cobra Kai resumida na frase “Acerte primeiro, acerte firme, sem compaixão” também é levada pelos seus personagens até às últimas consequências, virando até mesmo um lema libertador contra o bullying, contra as dificuldades da vida, e pela recuperação da juventude nos olhos do Kreese. Já que, para o sensei, esta geração Nutella se perdeu completamente e precisa aprender a lutar para voltar aos dias de glória. 

Nada disso é feito de maneira pesada ou em diálogos muito bem produzidos. As prioridades da série são de fato a ação e os personagens. Mas todo esse contexto impacta quem os personagens são e quais atitudes tomam em luta e fora dela. Por isso, esse lado de Cobra Kai não pode ser subestimado.  

O segundo ingrediente que faz toda essa roda girar é o debate sobre a verdadeira honra em combate, e isto é mais perceptível em lutas chave nos finais de temporada. Muitas vezes, elas apresentam situações em que uma vitória moral não necessariamente está conectada numa vitória em combate. Pois, fazer o certo nem sempre dará uma vitória. Ou, como a Samatha LaRusso diz com lágrimas nos olhos no final da quarta temporada: “Fizemos a coisa certa, mas ainda assim não vencemos.”

Vemos isso em situações paralelas a esta. Por exemplo, na primeira temporada o Miguel pode explorar uma fraqueza do Robbie, mas o Johnny explica para ele: “Eu sei que você quer ganhar. Mas vamos fazer do jeito certo. Não vamos jogar sujo.” “Não tem nada sujo em ganhar”, responde Miguel. Mas será que vale tudo para ganhar? Miguel vence, mas a custo de ir contra o que o seu sensei lhe aconselhou. 

Na segunda temporada as situações se invertem. O Miguel usa de misericórdia. E é o Robbie que toma uma decisão que vai custar os movimentos da perna do Miguel em frente a toda a escola. Na terceira, é o Kreese que num flashback vai aprender que é necessário fazer de tudo, inclusive usar de covardia, para sobreviver a uma guerra. 

E assim os dilemas se repetem. Entretanto, ficamos com um paradoxo. As ideias têm consequências, e ideias certas poderão levar ao resultado certo, mas nem sempre. Assim como na vida real, estar certo e fazer o que é certo não significa ser uma pessoa de sucesso. Ter uma vida virtuosa, por mais que isso custe de você, não pode ser algo que deve ser buscado somente buscando a vitória. Quem busca a vitória pela vitória, pode até terminar com as glórias por um tempo, mas vai negociar as virtudes no processo. 

Diante disso, será que todos esses momentos não eram um preparatório para Cobra Kai nos trazer o momento em que as filosofias opostas dos Dojos e os personagens de lados opostos iriam finalmente se unir e a vitória do bem contra o mal seria tanto moral quanto física? Eu acredito que sim. E acredito que isto aconteceu, pelo menos de forma breve, no final da quinta temporada. 

Nele, tanto os representantes do Miyagi-Do como do antigo Cobra Kai se reúnem para vencer a ameaça de Terry Silver. Tanto o Johnny como o Daniel, tanto o Robbie como o Miguel, tanto a Samantha quanto a Tory, tanto o Chozen como o Mike Barnes, todas as peças de uma máquina que tentou buscar seu equilíbrio durante cinco temporadas, se juntaram e lutaram lado a lado por uma causa comum. Neste final de temporada, houve de certa forma uma simples vitória do bem sobre o mal. E, de acordo com tudo o que foi apresentado até aqui, este seria o momento para o final perfeito. Mas, como é comum em séries, esta conclusão lógica da narrativa foi adiada em prol de mais uma temporada com todos estes personagens. Mais uma temporada que talvez não precisávamos. 

E a minha conclusão diante disso é: sim, a minha razão acredita que a série poderia ter terminado bem na quinta temporada, mas meu coração quer que tragam a sexta, porque Cobra Kai nunca é demais! Cobra Kai never dies!

Sobre o autor:

Rilson Joás é formado em Jornalismo e estudante de Ciência da Computação. E também alguém que sobe na Tardis dia ou outro para conhecer os mais diversos mundos estranhos e fantásticos, e voltar para a vida diária com pelo menos 6 centavinhos a mais de encanto.

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