Like a Rolling Stone
“A rolling stone gathers no moss” é um ditado popular que, traduzido, seria algo como: “uma pedra que rola não acumula musgo.” Isso significa que, se você está sempre se movimentando, progredindo e avançando, então não se degradará. Essa expressão teve um forte impacto nas décadas de 1950 e 1960, quando os movimentos sociais norte-americanos buscavam revoluções em várias áreas. Eles atribuíram a essa expressão um peso tão relevante que, além de servir de incentivo para certas pautas progressistas, levou à incorporação do termo “Rolling Stone” na produção cultural, como em uma banda, uma revista e, é claro, também na música que é o assunto deste texto.
Em 20 de julho de 1965, Robert Allen Zimmerman (também conhecido como Bob Dylan) lançava “Like a Rolling Stone”, um divisor de águas em sua carreira. Diferente das letras de protesto que eram comuns em sua discografia, essa música mesclava elementos do blues, folk, rock e pop, apresentando um caráter mais comercial do que se esperava dele. Com um refrão ácido e enérgico, despertou tanto o amor de alguns quanto a crítica ácida de outros.
Na música, Bob Dylan deu um significado a “Rolling Stone” que difere de seu sentido mais comum. Em vez de considerar uma pedra rolante como um movimento de ruptura que atrai a atenção de todos, ele traz a ideia de alguém completamente dependente de terceiros para ser empurrado. Sem esses favores, a pessoa desapareceria por completo. Esse sentido certamente não foi usado de forma despretensiosa e acidental; pelo contrário, nosso Zimmerman parece querer contar uma história cinematográfica, baseada em fatos e, quem sabe, por que não chamá-los de pessoais?
A partir de agora, veremos algumas possíveis histórias atreladas a essa composição. Vale lembrar que Dylan nunca fez uma declaração fechando todos os pontos e assumindo alguma dessas interpretações como correta.
Sobre a Música:
A letra da canção trata sobre a glória e a queda de Miss Lonely. Ela era uma moça bem-apessoada, com muita fortuna, que dava esmola aos vagabundos na mesma medida em que zombava deles. Foi uma garota que frequentou boas escolas, embora talvez não tenha desfrutado delas em estado de sobriedade. Era uma pessoa com fortes traços de orgulho, que, ao ouvir alertas de amigos sobre sua queda, ria e ignorava todos.
No entanto, chega o tempo em que Miss Lonely se envolve com pessoas erradas e toma decisões inapropriadas. Alguns dizem que ela se envolveu até com o diabo, e os frutos dessa safra de escolhas ruins foram mais amargos do que ela poderia suportar. Nossa Cinderela Rockefella teve de aprender a regular o tom de voz, a mudar a forma de se portar e a implorar por ajuda. Aquela que outrora chamava atenção por onde passava, agora está invisível, negociando até o nada que tem para conseguir alguma coisa boa.
Bonequinha de Luxo
É inegável que essa música possui algumas semelhanças com Bonequinha de Luxo. Tanto no livro quanto no filme de comédia romântica, acompanhamos Holly Golightly, personagem de Audrey Hepburn, uma prostituta de luxo que faz de tudo para se manter em um alto padrão de vida. Da mesma maneira, somos apresentados a Paul Varjak, personagem de George Peppard, um jovem escritor que se envolve com mecenas de nossos tempos para conseguir seu lugar ao Sol. No filme, nada é explícito; tudo fica no subtexto. Contudo, não acho exagero associar Miss Lonely a alguns dos arquétipos apresentados.
Não quero me alongar discutindo os pormenores de Bonequinha de Luxo, pois, apesar de algumas semelhanças, existem interpretações bem mais relevantes e coerentes do que essa. Prossigamos…
Edie Sedgewick
Outra visão sobre essa composição seria a de que Dylan falava de sua amiga pessoal Edie Sedgwick, uma socialite bem-afortunada que nunca soube o que era a falta de bens materiais durante boa parte da vida. Ela era uma das musas de Andy Warhol, um artista plástico famoso no cenário de Nova York, que ganhou a nação com suas serigrafias de arte pop retratando artistas como Marilyn Monroe (Quadro: “Marilyn Diptych”) e as latas de sopa Campbell. Como qualquer pessoa dotada de tamanha excentricidade, Warhol não era uma pessoa agradável de se ter por perto, caso seu objetivo fosse uma vida mais pacata e estável. Em seu ateliê The Factory, Andy e outros artistas promoviam festas absurdas (no sentido negativo); lá havia certo nível de promiscuidade e, segundo os próprios convidados, o consumo de substâncias ilícitas era abundante. As pessoas atribuem a história da canção a Edie e seu envolvimento com Warhol, argumentando que ela se encaixa perfeitamente no papel de Miss Lonely, enquanto ele seria essa figura errada, misteriosa e diabólica, fascinada por gatos siameses e que age como um Napoleão vestido de farrapos.
O desfecho de Edie não foi nada agradável, ocorrendo em novembro de 1971, seis anos após o lançamento de “Like a Rolling Stone”. Devido ao uso inapropriado de drogas e medicamentos, ela enfrentou a queda da qual os homens não mais se levantam. Para alguns fãs, isso apenas reforçou o caráter “profético” que permeia toda a discografia de Dylan. Bem, se a real história da canção for essa, mais uma vez podemos dizer que, como um bom artista, Bob Dylan sabia fazer uma excelente leitura dos males de seu tempo.
Os Medos de Robert Allen Zimmerman
Por último, mas longe de ser a interpretação menos importante — aliás, na minha modesta opinião, é a mais interessante — “Like a Rolling Stone” pode ser uma música mais pessoal do que aparenta.
Bob Dylan sempre foi conhecido por ser um “furioso jovem cantor de folk”, que, com seu violão e gaita, levava multidões de forma uníssona a cantar protestos. No entanto, após uma turnê na Inglaterra em 1965, ele percebeu que precisava mudar algumas coisas.
Em 1966, numa entrevista para a Playboy, ele comentou um pouco sobre como se sentia na época da turnê: “Na primavera anterior, pensei que pararia de cantar. Sentia-me muito exausto e, pela forma como as coisas estavam acontecendo, previa-se uma situação muito desgastante… Além disso, eu estava tocando um monte de músicas que não queria tocar. É assombroso ter pessoas ao seu redor dizendo o quanto elas te entendem quando nem você consegue se entender.”
Então, o jovem que musicava seus manifestos em suaves dedilhados de violão decide explorar os sons violentos e elétricos da guitarra.
Sua primeira gravação para esse período foi justamente a canção tema deste texto. Entretanto, antes de se tornar essa melodia contagiante, “Like a Rolling Stone” foi um manuscrito de 20 páginas, descrito pelo próprio autor como um vômito de tudo o que estava enfrentando. Em seguida, foi reduzido para 10 páginas, até que, por fim, transformou-se em uma música de seis minutos com quatro estrofes.
Ele falou ao jornalista Jules Seigel sobre esse traço mais pessoal da música: “Tinha dez páginas. Aquilo não tinha nome, era só uma coisa rítmica em papel falando sobre o meu ódio constante dirigido a algo onde achava que isso seria honesto. No final, não foi ódio, estava falando algo que eles não sabiam, dizendo-lhes que tiveram sorte.”
Devido a essas declarações, muitos interpretam que a canção se trata de uma personagem (Miss Lonely) que Dylan criou para externar seus medos em relação a uma mudança tão brusca em seu estilo musical. Ele enfrentaria a possibilidade de uma rejeição em massa, correndo o risco de perder toda a fama que havia construído, tornando-se invisível e testemunhando o fim de seus efêmeros 15 segundos de glória. Em certo nível, mesmo que mínimo, o suposto medo de Bob se concretizou quando, ao tocar seu novo rock, foi vaiado no Newport Folk Festival. Em outra apresentação, teve de lidar com gritos que o chamavam de Judas, como se ele tivesse traído seus fãs e a si mesmo por ter deixado um pouco de lado o antigo estilo. Isso sem mencionar a rejeição das estações de rádio, que, a princípio, se recusaram a tocar algo no formato de “Like a Rolling Stone”. Apesar de tudo, felizmente, nada disso foi tão grave quanto o que viveu o eu lírico da canção.
Para finalizar, gostaria de trocar ideias contigo. Independentemente de qual interpretação mais te agrada, uma coisa é certa: essa música não é confortável. Ela é sarcástica, é cruel. Como uma pessoa orgulhosa, a letra dessa canção aponta o dedo na sua cara, gargalha o mais alto que pode e diz: “OLHA SÓ, EU TE AVISEI”. É uma letra que nos faz temer. Não importa se você tem rios de dinheiro ou se possui apenas o sustento básico e está contente com isso; Sabemos que nesta vida debaixo do sol as coisas são instáveis para todos, são finitas. Nossos tesouros são facilmente roubados ou consumidos pela ferrugem. Tudo o que acumulamos, por vezes, é vaidade, é poeira ao vento. Após um passo errado, como um lutador que perde o fôlego ao receber um golpe baixo, vemos o que nos era precioso escapar pelas mãos e não temos a mínima capacidade de reagir. Mas em que poderíamos nos segurar? Em quem esperaríamos? Será que só nos resta temer e aguardar a nossa vez de viver o papel da Miss Lonely? Quem nos assegura de algo? Quem nos protegeria dos temores do amanhã? Quem nos ensinaria a discernir o bom caminho que é superior as coisas daqui, que assim, impediria nosso coração de seguir “like a rolling stone”?
Talvez a resposta para isso, meu amigo, esteja sendo soprada ao vento. Ou apenas escondida nas entrelinhas deste texto.
Sobre o autor:
Este texto foi escrito por Luxdêi
Abílio Luxdêi é estudante de artes visuais, teologia e é o melhor amigo do MR. Tambourine.