Entre dramas e gameplays: Introduzindo webtoons

Entre Dramas e Gameplays – Introduzindo Webtoons

Saudações, caro leitor. No texto de hoje eu gostaria de indicar duas histórias, mas antes me permita uma pequena introdução a um formato que nem todos estão acostumados, o webtoon. Histórias contadas através de desenhos não são novidade pra ninguém; HQs, tirinhas de jornais, graphic novels e mangás estão por aí a bastante tempo e fazem sucesso, porém com o passar do tempo outros formatos tendem a surgir, um deles foi o webtoon.

Os webtoons, ou “toons da web”, são uma forma de arte sequencial que se originou na Coreia do Sul em meados dos anos 2000. Com o advento das mídias digitais, os os quadrinhos sul-coreanos, também conhecidos como manhwas, foram aos poucos migrando do papel para as telas e dando origem a algo novo, um formato de quadrinhos pensado para leitura em smartphones e capaz de tirar um maior proveito desses. Ao contrário dos mangás tradicionais, que geralmente têm um tamanho de página fixo e são lidos da direita para a esquerda, os webtoons são criados e publicados especificamente para serem lidos em dispositivos móveis. Eles são apresentados em formato vertical, com quadros individuais que se estendem por toda a altura da tela, e geralmente são lidos de cima para baixo. Essa abordagem de leitura vertical permitiu que os webtoons explorassem narrativas mais fluidas, e também abriu novas possibilidades para o design da página e o uso de cores.

Embora tenham tido origem na Coréia do Sul, os webtoons não se limitam a essa península, tendo chegado ao ocidente anos atrás e ganhando espaço aos poucos. Os webtoons são agora populares em todo o mundo, com muitos artistas de quadrinhos e estúdios de animação criando webtoons como parte de sua oferta de conteúdo. Alguns dos mais populares incluem “Lore Olympus”, de Rachel Smythe, “Tower of God”, de SIU, “Solo Leveling”, de Chugong e Dubu, e “Unordinary”, de Uruchan. Com o crescente interesse pelo formato, muitos editores e empresas de mídia estão agora começando a investir em webtoons, com o objetivo de alcançar uma nova geração de leitores que preferem consumir conteúdo digital em seus dispositivos móveis, entre eles vale destacar Batman: Wayne Family Adventures e Red Hood: Outlaws como experimentos da DC com o formato.Tendo concluído a introdução, passemos às indicações. Primeiro, Lore Olympus, escrito pela neozelandesa Rachel Smythe. Esse é um dos webtoons de maior popularidade, sempre figurando nas listas de mais lidos, não apenas digitalmente, mas suas versões físicas frequentemente aparecem nas listas dos mais vendidos do New York Times. O quadrinho é ganhador de vários prêmios, entre eles um Eisner. Além disso, teve adaptação anunciada pela Netflix.

Ele conta a história de Hades e Perséfone, um conhecido mito grego, porém com adaptações para os dias atuais. Hades é apresentado como uma espécie de CEO do Mundo Inferior, piadas com CEOs à parte, isso encaixa com seu cargo divino de deus dos mortos, também é o deus das riquezas. Já Perséfone é apresentada como uma jovem do interior que chega para fazer universidade no Olimpo, um papel que combina bem com uma deusa da primavera. A história começa quando Hades vê Perséfone em uma festa e… Não vou entrar em mais detalhes, o leitor terá que conferir para saber, essa é a reimaginação do mito com muitas liberdades.  A essa altura algumas sobrancelhas devem ter levantado e alguns podem ter pensado “é a história de um cara velho com uma garota jovem”, bem, talvez um pouco, mas é principalmente uma história sobre como as feridas se curam.

Legenda: Hades, Perséfone e Cérbero.

Embora a premissa pareça simples, esse webtoon está longe disso. Ao longo da narrativa, dezenas de mitos são habilmente costurados em uma única colcha, cada um contribuindo para uma trama maior que se desenvolve gradualmente. A história é muito mais do que apenas a soma de suas partes, e é fascinante ver como cada novo mito adiciona profundidade e complexidade à trama geral. Embora alguns possam pensar que, ao tratar de um mito conhecido, a trama seria previsível, a verdade é que Lore Olympus surpreende constantemente. Cada novo mito que se conecta a história traz algo novo e por vezes a leva para um rumo inesperado.

Legenda: Deuses reunidos.

Apesar de ser centrada em deuses, Lore Olympus é uma história muito humana. Seu gênero a princípio parece ser comédia romântica, mas com a evolução dos capítulos, nos deparamos com dramas não facilmente solucionáveis. A maior parte dos personagens possui uma história anterior que é revelada aos poucos. Os deuses, embora imortais, possuem ferimentos físicos e emocionais que não podem simplesmente ser curados pelo tempo. É ao se aprofundar nesses ferimentos que a trama cresce. Rachel trata temas como trauma de abuso de forma delicada e sempre ressalta a importância do diálogo e redes de apoio em sua obra, no fim ninguém consegue se curar sozinhos e sempre precisamos uns dos outros.

Legenda: Hades lembrando de quando foi engolido por Cronos.

Outro destaque da série são seus traços e cores muito característicos. Cada deus possui uma cor primária que compõe sua pele e cabelos. Isso ao invés de causar estranheza ajuda a nos lembrar que, por mais humanos que sejam, não estamos vendo pessoas normais, a autora sempre faz questão de nos lembrar da divindade de seus personagens, sejam em pequenos ou em grandes detalhes.

Legenda: Perséfone e Deméter no reino mortal antes de sua chegada ao Olimpo.

Se tratando de outras mídias, talvez a série que mais me lembra Lore Olympus seja The O.C, famosa nos anos 2000, a relação entre as duas se dá porque Perséfone, assim como o protagonista de O.C. é uma pessoa de fora e que tem dificuldade de se encaixar no novo ambiente. Pra terminar essa recomendação, um aviso: apesar de leve na maior parte do tempo (classificação 12 anos), alguns capítulos podem ser mais pesados (classificação 16 anos).

Quanto à segunda indicação, outro webtoon que vale a pena conferir é Solo Leveling. Embora possa ser classificado como fantasia ou aventura, essas categorias não conseguem capturar completamente a essência desse webtoon, que se enquadra melhor no gênero de realismo mágico coreano. Esse gênero de ficção imagina como seria um mundo onde a magia está presente em todos os aspectos da vida cotidiana, de modo semelhante ao steampunk, que se concentra em máquinas a vapor, e ao cyberpunk, que se passa em um futuro dominado pela tecnologia.

A fonte da magia pode ser divina, extradimensional, natural ou inexplicável, e cada autor usa a sua imaginação para criar uma sociedade em que a magia está integrada em novas leis, organizações e tecnologias, mudando a forma como as pessoas vivem, se divertem e aprendem. No entanto, a magia sempre vem acompanhada de perigo, e no realismo mágico coreano, isso geralmente se manifesta na forma de monstros e criaturas que lembram os inimigos que vemos em jogos.

Para combater essas ameaças, surgem os caçadores, pessoas com habilidades sobrenaturais que podem variar desde lançar bolas de fogo até curar ferimentos ou possuir super força. Embora possa parecer uma premissa absurda, o realismo mágico coreano é uma forma de explorar a pergunta que muitos jovens que cresceram jogando se fazem: “E se esses jogos fossem reais?”.

Tendo falado sobre o gênero, fica mais fácil explicar a história de Solo Leveling. O webtoon se passa em um universo onde portais, conhecidos como dungeons, se abriram e levam a espaços cheios de monstros. Se esses monstros não forem derrotados, eles podem causar desastres graves. Ao mesmo tempo, algumas pessoas começaram a despertar habilidades especiais, tornando-se caçadores capazes de caçar esses monstros. Os caçadores são classificados de acordo com a força de suas habilidades, e as dungeons são classificadas de acordo com seu perigo, ambos seguem uma escala de ranks indo de  E a S (E >> D >> C >> B >> A >> S).

Anos depois, conhecemos o protagonista, Sung Jinwoo, um caçador de rank E famoso por sua fraqueza. Embora a fraqueza em si não seja um problema, já que ninguém é obrigado a entrar nas dungeons, Jinwoo é órfão de pai, tem uma mãe hospitalizada e uma irmã mais nova para cuidar (¯\_(ツ)_/¯ admito, é bem clichê). Entrar nas dungeons para matar monstros acaba sendo a única opção para sustentar sua família. No entanto, explorar as dungeons é um trabalho perigoso, e as habilidades de um caçador geralmente são fixas – desde o dia em que elas despertam até a morte do caçador, elas não mudam. Isso faz com que Jinwoo esteja sempre em situações de risco, com sua vida na linha.

Legenda: Sung Jinwoo no início da história.

[Spoilers à frente, se quiser evitá-los pule para o penúltimo parágrafo]

Tudo muda depois que eventos inesperados levam o protagonista a um segundo despertar. Ao contrário de outros caçadores, ele passa a adquirir experiência ao matar monstros, evolui ao subir de nível e cumprir missões, tornando a leitura do webtoon como assistir a um gameplay. Acompanhamos o protagonista enquanto ele adquire novas habilidades, equipamentos e completa dungeons. Você pode se perguntar “qual a graça desse webtoon?”, mas a graça está no universo sólido o suficiente para fornecer previsibilidade do que pode acontecer sem revelar antecipadamente. Você sabe que o protagonista ganhará novas habilidades e trocará de equipamento, mas fica curioso para saber quais serão e qual a importância deles para a história.

Legenda: Jinwoo em um dungeon.

O autor é habilidoso em encerrar capítulos em momentos de tensão, fazendo com que precisemos abrir rapidamente o próximo capítulo para saber o que aconteceu. Isso acaba nos fazendo ler uma dezena ou mais de capítulos sem perceber. Não menos importante é a arte de Solo Leveling. O estúdio REDICE foi quase um divisor de águas, e é possível notar como traços, cores e iluminação dos webtoons do gênero mudou desde o lançamento de Solo Leveling, ficando mais próximas das características desse. A arte do estúdio REDICE é bastante estilizada, dando importância especial para as cenas de ação e combate. Destaque para as cenas de movimento que sempre ajudam a criar um clima de tensão na história.

Legenda: Combate quando Jinwoo já está com level alto.

Por último, é importante ressaltar que Solo Leveling deve sair em anime em breve e já ganhou um trailer, que você pode conferir aqui.Chegamos ao final, essas foram as recomendações, quando estiver pensando na próxima obra para ler, considere esses ou algum outro webtoon.

Obrigado pela leitura e até uma próxima oportunidade.

Links úteis:

Lore Olympus – webtoon (inglês) e volume físico (português).
Solo Leveling: volume físico (português).

Sobre o autor:

Lino Sousa é formado em Ciência da Computação e trabalha como desenvolvedor de software, é amante de mitologias, fantasia e qualquer história com magia. Gosta de falar sobre poesia, webnovels e webtoons.

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